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Gaitas "primitivas"?
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Dzuhra
Gaida (Bulgária) |
É frequente ver em obras
pouco rigorosas os modelos de tubo melódico cilíndrico (do Leste Europeu
e Norte de África) serem classificados de “gaitas primitivas” -
trata-se, contudo, de um equívoco.
Bem pelo contrário, instrumentos como a
Gaida (Bulgária), por
exemplo, são de tubo cilíndrico e exibem complexidade musical e
tecnológica.
Não são, de modo nenhum, "sobreviventes" ou "vestígios" de eras
passadas, até porque pouco ou nada se sabe de concreto sobre a origem da
primeira gaita-de-fole e quais as suas características.
Na verdade, os instrumentos musicais são artefactos, cujos materiais e
características servem as funções de cada povo e cada época. Não são
espécies animais que “evoluem” num ou noutro sentido.
Os instrumentos musicais não têm genes, não se reproduzem e não evoluem
segundo leis de "selecção natural" darwinista.

O grupo Marzoug, do
sul da Argélia, com uma Mezoued.
Ainda que algumas pessoas possam pensar que os instrumentos de tubo
cilíndrico teriam surgido primeiro (por parecerem, supostamente, mais
simples), isso não faz de instrumentos nossos contemporâneos os
"antepassados vivos" de instrumentos "mais avançados" (inevitavelmente,
os instrumentos do espaço europeu, numa perspectiva etnocêntrica).
Estabelecer, a título de exemplo, que uma
Gaida búlgara é um
"antepassado" da
Gaita-de-fole galega, de uma
Smallpipe ou uma Musette de Cour, é um erro. São muito simplesmente
instrumentos diferentes, com propósitos e contextos musicais diferentes,
que há que analisar primeiro, antes de estabelecer conclusões apressadas
sobre o lugar de cada instrumento numa "evolução" global.
As eventuais linhas evolutivas só podem ser estabelecidas a partir de
instrumentos antigos e outras fontes históricas (documentos escritos,
vestígios arqueológicos, etc.) que comprovem as transformações que os
instrumentos sofreram ao longo do tempo, dentro de um espaço geográfico
concreto e com relações documentadas entre comunidades humanas.

A seguir:
Instrumentos
musicais como objectos culturais.

Texto: Miguel Costa (Associação Gaita de Foles),
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