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Ezequiel dos Santos
O Gaiteiro de Vale Martinho

Ezequiel dos Santos, faz parte de toda uma tradição regional e, como tal, não pode nem deve ser considerado, como expressão de tradições locais e limitadas. Assim, é no contexto transmontano que deve ser enquadrada a sua arte de soprar na gaita de foles, instrumento que constitui um prolongamento essencial da sua vida. Com efeito, Ezequiel dos Santos nasceu e vive numa região que, ao longo dos tempos, foi um verdadeiro cruzamento intercultural.. 

Ezequiel dos Santos foi registado aos 17 de Outubro de 1927. Desconhece “como muitos dos que por aqui nasceram” a data exacta do seu nascimento. Mas garante que foi ali, em Vale Martinho. 
Septuagenário de boa fibra transmontana, continua a dedicar-se às tarefas agrícolas, na companhia de sua mulher, alardeando “mais fôlego que um "matcho". Porque se assim não fosse - perguntou – “como é que podia ser gaiteiro?”
Autodidacta na aprendizagem da gaita de foles, Ezequiel dos Santos evoca, a cada passo, a figura - mítica e venerada! - de um tal José Benedito, gaiteiro que foi em Vale dos Prados, aldeia não muito distante de Vale Martinho.

“Falecido há mais de trinta anos, José Benedito foi o melhor gaiteiro que eu conheci em toda a minha vida e foi com ele que eu aprendi tudo o que sei. Vendo-o tocar, como mandavam as regras, porque gaiteiro que se preze não ensina aos outros os segredos da sua arte.” Ezequiel dos Santos nunca enjeitou desafios ou despiques e orgulha-se de já ter calado muitos tocadores de clarinete - um "inimigo" figadal da gaita de foles! - soprando no seu velho instrumento. Esta, que exibiu no decurso do nosso primeiro encontro, era uma espécie híbrida traça galega, muito estragada e com abundantes quantidades de adesivo castanho a ligar os vários componentes do bordão: “Já tocou muito... É muito velhinha mas olhe que ainda não vi melhor por aí. Mas por via do cansaço lá foi comprando uma nova, em Vigo, “com um fole que não perde ar.” 

Actualmente, Ezequiel dos Santos quase só faz as festas das aldeias mais pequenas da região ou com menos posses. São toques de alvorada e de procissão, assim como reportório. de baile e modas: 
“Quando não têm dinheiro para 'Justar" bandas de música, eles vêm 'Justar" comigo as gaitadas...”. 
A formação instrumental varia de acordo com os fundos recolhidos e disponíveis; na sua máxima força pode integrar dois bombos, duas caixas de guerra e pratos. Tudo instrumental de sua pertença, como não podia deixar de ser para poder controlar o grupo. Mas os tocadores contratados esgotam-lhe a paciência durante os ensaios e durante a "função".

O trabalho já não abunda e depois do Verão as festas escasseiam: 
“No Natal e nos Reis é que aparece alguma coisa para fazer. Nos Reis eu vou muitas vezes tocar a Vale Salgueiro: toco no dia 5, por volta das cinco da tarde e no dia a seguir faço as alvoradas, a missa e vou na procissão de Santo Estêvão. “
Com percussão reduzida porque a função é religiosa. Nada de arraial. Em princípios de Setembro de 1996, Ezequiel dos Santos contava ir fazer de novo a festa em Vilarinho das Azenhas, terra situada lá para os lados do Cachão: “Aquilo é das 8 da manhã às 6 da tarde. Mas só vou se me puserem carro à porta. Como é que eu posso levar tudo para lá?”
Não levou. Acabaram por ser os de Sanfins do Douro a fazer a festa. 

Homem de muitos suores nos campos duros e pedregosos de Vale Martinho, Ezequiel dos Santos fala com toda a desenvoltura, como todo o gaiteiro que se preza. Homem vivido e de histórias sempre artilhadas, orgulha-se de nas suas andanças africanas ter uma vez atrasado um voo porque começou a tocar gaita de foles e toda a gente o ficou a ouvir. Mas também não se esquece do verdadeiro pânico de um organizador de uma festa em pleno País Basco, ao qual afiançou que iria tocar o "Viva Espanha", assim como a ovação que recebeu no campo do Mirandela quando este jogou contra o Boavista para a Taça de Portugal e ele se encontrava nas bancadas a tocar para animar as hostes locais. 
Ezequiel dos Santos apresenta um reportório que testemunha de modo assaz expressivo a transição entre as composições mais antigas, em claras vias de extinção, e as chamadas modas mais recentes. Sem esquecer as composiçoes de carácter religioso, dignas de toda a nossa atenção e registo. Exibindo um razoável domínio das apoiaturas, Ezequiel dos Santos não tem quaisquer conhecimentos musicais teóricos, tocando o "compasso" de ouvido (como de ouvido aprendeu com o gaiteiro de Vale de Prados, José Benedito).

Ezequiel dos Santos dispõe de um numeroso conjunto de ponteiras:
“ Destas já não sou capaz de fazer: falta-me a vista. Tenho de as mandar vir de Espanha, porque não posso ficar mal.”
Mas as do bordão essas continuam a ser confeccionadas por si, quer com canas que recolhe nos canaviais do Tuela, quer com hastes de sabugueiro (um bom feixe de esguias varas bem secas encontrava-se pendurado no alpendre). Para levantar a lingueta, Ezequiel dos Santos usa a vulgar linha preta de costureira, colocando, por vezes, um pouco de fita cola para evitar o seu fecho com a humidade excessiva. O extremo é tapado com cortiça. 
Se na gaita antiga os problemas de afinação lhe causam indisfarçada impaciência, com a nova tudo é diferente, embora ainda se encontre em fase de adaptação. No que se refere às ponteiras, Ezequiel dos Santos mostrou-nos dois exemplares, muito antigos, que conserva como reserva. Uma das ponteiras, feita de buxo, “é coisa rija, pra nunca mais acabar.”
No entanto, são já claramente peças de museu, pedaços sobreviventes de uma memória que se vai desvanecendo: 
“Quando eu morrer isto não vai servir para ninguém. Ninguém quer mais continuar com esta tradição!...”

Texto e Fotos: Excerto do livrete do CD "Ezequiel dos Santos- Gaiteiro de Vale Martinho, Mirandela" - Colecção "Gaiteiros Tradicionais" nº1 - 
Mário Correia / Sons da Terra, 2000
 


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